terça-feira, 21 de outubro de 2014

Crônica: Minha São Chico do frio

"A Direção do Colégio José de Alencar parabeniza a aluna  da 8ª série, Adriana Lopes dos Santos,por ser a finalista municipal da Olimpíada de Língua Portuguesa com a crônica "Minha São Chico do Frio"." 

Aluna: Adriana Lopes dos Santos
Título da crônica: Minha São Chico do frio
Professora: Nara Ione Blanco Marques

         Sentada à beira do Lago São Bernardo, principal ponto turístico de minha cidade, em vez de encontrar inspiração em sua beleza poética, encontro inspiração apenas no vento cortante das sete e meia da manhã, que, ajudado pela brisinha, vem me gelar os dedos e me lembrar de fatos do último inverno.
            Moro em São Francisco de Paula, carinhosamente chamada de São Chico. É uma cidade lembrada, fria, muito fria. O clima quase polar aqui  de São Chico atrai muitos turistas que, não sei como podem, se fascinam por alguns graus abaixo de zero. Mas não é mentira que os cidadãos serranos que levantam cedo têm que sair de casa usando um casaco por cima do outro.
            E nessa cidade que, no inverno passado, a neve entrou sem pedir licença e sem aviso prévio, tornando brancos os verdes campos da zona rural e invadindo as vidas dos moradores da zona urbana, nesse dia, de chão e céu brancos, saí de casa para os compromissos da manhã, pois, como dizem as músicas gaúchas, “sou prenda guapa que não se assusta com o frio”. Passando pelas ruas, cobertas com o tapete gelado, via adultos e crianças brincando na neve. Risos eram ouvidos e a felicidade infantil e adolescente com a neve acordava a vizinhança. Eu acompanhava com os olhos as crianças bem agasalhadas, com toucas, luvas... Nem deviam sentir aquele frio intenso. E quando chegassem em casa, provavelmente encontrariam uma lareira, fogão à lenha ou estufa, além de um delicioso café da manhã... Tudo para esquentar os pequenos. Com esse pensamento entrei em uma rua secundária. Depois de alguns metros, me deparei com uma cena que era, ao mesmo tempo, alegre e triste.
            Três crianças brincavam com a neve, fazendo bonecos, jogando bolinhas... Mas, ao contrário das outras crianças das quais falei, estas usavam roupas visivelmente finas, e apenas uma delas usava luvas furadas.
            O que me surpreendeu foi a alegria: as crianças riam, pulavam, corriam... Era uma alegria genuína, verdadeira, humilde, mesmo com as circunstâncias. É difícil ficarmos tão alegres com o frio, mesmo agasalhados. Porém, aquelas crianças...
            Assim pensando, continuei a caminhar. Eis que, ao virar uma esquina, vejo num homem, um senhor de idade, de barbas brancas, sentado sob o toldo de uma loja, tremendo de frio. Ele usava trapos, panos realmente finos e uma touca. Passei por ele me perguntando se eu não podia ajudá-lo. Mas o que eu, jovem serrana, escritora e palhaça por prazer, poderia fazer para ajudar aquele pobre homem friorento? Eu tinha vontade de ajuda-lo, mas para casa não podia levá-lo, e agasalhos de sobra eu não tinha.
            Pensando nisso, cheguei à escola. Meu primeiro pensamento foi voltar para casa, mas uma ideia melhor me ocorreu.
            Voltei pelo mesmo caminho e vi algo que me deixou feliz. Uma mulher carregava o senhor friorento para dentro de sua casa. Sim, em São Chico, como diz o hino, há “gente forte e hospitaleira” e solidária também.
            Cheguei, então, ao lugar onde as crianças brincavam e coloquei em prática minha ideia: Por que eu haveria de voltar para casa, para debaixo das cobertas se havia gente ali, no frio, sem poder melhorar suas vestimentas? Se não podia ajudá-los, que me juntasse a eles. Tirei a jaqueta e pedi licença para entrar na brincadeira.
            Agora o sol já saiu de trás dos pinheiros, mas não é suficiente para esquentar, pois parece que este sol tem medo de entrar na manhã serrana. O sol é realmente tímido por aqui, porém quando vem, se solta. Os turistas e cidadãos que costumam caminhar em volta desta beleza natural serrana já chegam, e eu acho melhor ir para casa, afinal hoje à tarde tenho um encontro marcado com os três amigos que conheci no inverno passado, na neve.

            Nesta cidade, no meu amado Rio Grande do Sul, a vida segue simples e bela, daqui a pouco acaba de novo o inverno e vem a primavera e o verão quando a cidade se cobre de hortênsias e quase todos se esquecem dos rigores do inverno, exceto quem mais sofreu com ele e com sua situação, porém ainda há aqueles que se esquecem das dificuldades passadas no inverno, ou as trocam pelas lembranças das amizades conquistadas... Afinal, moramos em um lugar onde raramente acontecem desastres e onde a vida é feliz e a natureza tem notável participação.